sexta-feira, 3 de junho de 2016

Crítica ao Desmonte do Licenciamento Ambiental


 
             Coletivo
        de Servidores
             da Funai
          Mobilizados
  

O licenciamento ambiental é um instrumento de gestão estabelecido pela Política Nacional do Meio Ambiente e tem por premissa a avaliação da viabilidade para empreendimentos potencialmente poluidores ou causadores de degradação ambiental e a prevenção, mitigação, compensação, divulgação e discussão pública dos impactos socioambientais decorrentes.
Via de regra, os empreendedores interessados no desenvolvimento de suas atividades acusam o Licenciamento Ambiental de ser excessivamente lento, burocrático, complexo, discricionário, dispendioso, um grande entrave ao desenvolvimento. Já as comunidades que são impactadas pela poluição e degradação decorrentes dos empreendimentos acusam o Licenciamento Ambiental de ser açodado, pouco criterioso e pouco participativo. No discurso hegemônico dos que têm maior entrada nos meios formais de comunicação e influência política, invariavelmente a primeira versão é a mais divulgada e defendida. Como resultado, são inúmeras as tratativas de “agilizar” o licenciamento ambiental, intensificadas no atual cenário de “crise econômica”.
Todavia, o licenciamento ambiental deve ser considerado como uma conquista de toda a sociedade, pela possibilidade de ruptura com a lógica perversa onde as empresas individualizam os lucros e impõem à sociedade os prejuízos. Torná-lo mais célere, de forma a atender apenas o viés econômico imediatista, é um grande retrocesso às conquistas democráticas, além de perpetuar uma visão arcaica e insustentável de desenvolvimento e uso dos recursos naturais, comprometendo o bem-estar das atuais e futuras gerações.
Agenda Brasil, Ponte para o Futuro e Medida Provisória nº 727/2016
No atual cenário de crise econômica e política, torna-se previsível a intensificação das tentativas para “desburocratizar” o País. Neste sentido, foi apresentado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no dia 10.8.2015, a Agenda Brasil: um pacote de medidas com o pretenso objetivo de “retomar o crescimento econômico e realizar reformas necessárias para que o Brasil supere a crise”. A Ascema Nacional publicou a carta “Notas sobre um escândalo: o Pacote Renan-Dilma – Agenda Brasil, de 17.8.2015, onde fez contundente crítica a este pacote de medidas proposto.
Na área ambiental, os pontos mais críticos são: revisar a legislação para o licenciamento de empreendimentos localizados na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas sob o pretexto de incentivar novos investimentos produtivos; simplificar o licenciamento para construção de equipamentos e infraestrutura turística em cidades históricas, orla marítima e unidades de conservação, numa expectativa de que isto aumentaria a atração de investimentos; apresentar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para estabelecer maior celeridade, com segurança jurídica, para o licenciamento ambiental de obras estruturantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos programas de concessão, estipulando prazos máximos para a emissão de licenças; simplificar procedimentos de licenciamento ambiental, com a consolidação ou codificação da legislação do setor, que seria complexa e muito esparsa; revisar e implementar marco jurídico do setor de mineração sob a justificativa de que isto atrairia investimentos produtivos; revisar os marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, numa tentativa de compatibilizá-las com atividades produtivas.
Por sua vez, o Governo Interino já demonstrou seu compromisso ao tornar o documento Uma Ponte para o Futuro seu projeto de governo, no qual pretende “ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados”.
Este projeto já começou a ser implementado no primeiro dia do Governo Interino, quando Temer emite a Medida Próvisória N°727 de 12 de maio de 2016. No seu primeiro artigo, a MPV cria o “Programa de Parcerias de Investimentos - PPI destinado à ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização”, indicando, no Artigo 18, que todos os órgãos da administração pública cujo exercício dependa a viabilização de empreendimento do PPI têm o dever de atuar, emitindo suas licenças e autorizações de acordo com suas demandas e cronograma. Enquanto Medida Provisória, o regulamento já está em vigor, (re)criando um programa de desestatização, além de servir como instrumento de fragilização de controles sociais, ambientais, culturais e trabalhistas. Atualmente sob análise de Comissão Especial no Senado, a MPV deve ser referendada em no máximo 60 dias.
Paralelamente estão também na pauta do Senado Federal, em regime de urgência, os Projetos de Lei do Senado – PLS nº 654/2015 e o PLS nº 602/2015, ambos estruturados com o objetivo de “agilizar” o processo de Licenciamento Ambiental, sem se preocupar com a essência e com a melhoria real do processo.
O PLS nº 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-Ministro do Planejamento do Governo Interino, foi aprovado na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional em 25.11.2015, sem quaisquer debates com a sociedade, e tramita no Senado Federal em regime de urgência. A premissa básica deste projeto é acelerar a liberação de licenças ambientais para grandes empreendimentos de infraestrutura, com a criação de um novo rito sumário para obras "estratégicas e de interesse nacional", tornando ainda mais frágil o licenciamento ambiental de grandes obras no país.
Esta iniciativa de criar um rito especial – sumário – de licenciamento ambiental para empreendimentos de infraestrutura vai na contramão do que acreditamos e propomos como melhoria para o licenciamento de grandes obras, onde se pressupõe o mais alto grau de impactos socioambientais. Cabe destacar que a Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional retirou da proposta a autorização de licenciamento especial para empreendimentos que explorem recursos naturais, devido ao recente acidente do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco ocorrido em Mariana/MG, mas, com o passar do tempo, e consequente arrefecimento na imprensa, esta proposta pode ser reapresentada.
Primeiramente, cabe destacar que a implementação de grandes empreendimentos no Brasil tem historicamente resultado em aprofundamento de conflitos socioambientais, trazendo mais vulnerabilidade às populações locais e deterioração de áreas naturais. Remoções forçadas e mal organizadas, descaracterização no modo de vida e de subsistência, especulação imobiliária, ocupações irregulares, perda de biodiversidade, escasseamento e contaminação de recursos hídricos dentre muitos outros impactos negativos, são comuns em locais onde grandes empreendimentos poluidores são instalados.
Obras como as Usinas Hidroelétricas de Belo Monte e de São Luís do Tapajós, assim como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ e a Companhia Siderúrgica do Atlântico - TKCSA, por exemplo, poderiam ser declaradas pelo Poder Executivo como estratégicas e, com isso, estariam sujeitas ao rito sumário de licenciamento ambiental previsto neste projeto. Os exemplos citados, dentre muitos outros existentes, apresentam uma infinidade de conflitos socioambientais intrínsecos à drástica intervenção proposta pelos projetos, resultando em processos de licenciamento extremamente complexos, os quais justamente por não atender plenamente o rito e sua competência legal, apresentam graves falhas processuais e violações de direitos previstos em lei. Caso estes empreendimentos “estratégicos” passem a ser sumariamente licenciados, esta situação será consideravelmente agravada.
Visando maior celeridade, o PLS propõe a supressão de fases do licenciamento ambiental para os empreendimentos considerados estratégicos. Hoje estes empreendimentos são licenciados em três fases: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). O objetivo do licenciamento em fases é garantir a análise sucessiva e gradual, possibilitando a avaliação do desenvolvimento da atividade em cada etapa e a verificação do efetivo cumprimento das condicionantes estabelecidas na fase anterior. A proposta apresentada no PLS em questão cria a figura da Licença Única Integrada, condensando as etapas de análise da viabilidade, realizada para a emissão da LP, e a instalação do empreendimento, autorizada na LI. Além disso, a Licença de Operação, torna-se uma mera formalidade, uma vez que sua emissão não está condicionada ao cumprimento das condicionantes estabelecidas na fase anterior e a fixação de novas condicionantes ou exigências só poderiam ocorrer mediante a detecção de novos fatos, dificilmente identificáveis se considerarmos o prazo exíguo.
Vale destacar também que, para a emissão da Licença de Operação não existe previsão de entrega de relatórios ambientais referentes à implementação da atividade e dos projetos exigidos como condicionantes da licença integrada. É inadmissível emitir a Licença de Operação sem uma avaliação criteriosa do cumprimento das etapas anteriores. A própria vistoria técnica não é considerada essencial no PLS e, caso ocorra, não poderá causar prejuízo ao prazo assinalado para a emissão da Licença de Operação. Será possível a realização de vistoria técnica e emissão de parecer conclusivo no prazo estabelecido no PLS, de 30 (trinta) dias? Se considerarmos apenas a complexidade destes empreendimentos a resposta já seria negativa, mas não podemos ignorar a realidade existente atualmente nos órgãos licenciadores, como deficiência estrutural, corpo técnico reduzido, trâmites burocráticos, contenção de gastos, dentre muitos outros problemas. Ao que tudo indica esta etapa é mera formalidade: uma vez emitida a licença integrada a concessão da licença de operação seria praticamente automática, sem análises técnicas, vistorias e avaliação do cumprimento das condicionantes da etapa anterior.
Para corroborar esta afirmação, para a licença de operação “é vedada a imposição de novas condicionantes ou exigências ao empreendimento, salvo em virtude da superveniência de fato imprevisto originalmente”, ou seja, a licença de operação é praticamente um espelho da licença integrada, uma vez que a detecção de um novo fato será praticamente inviável sem o real acompanhamento da atividade. Em síntese, o PLS cria um rito único para empreendimentos estratégicos, com alto grau de impactos socioambientais vinculados, impossibilitando a correção de equívocos e a detecção de omissões dos estudos ambientais elaborados pelo empreendedor, fatos frequentes em processos de licenciamento ambiental.
Outra problemática observada no PLS são os prazos extremamente enxutos estabelecidos para todas as etapas propostas para o licenciamento, incompatíveis com a natureza e a complexidade dos empreendimentos de infraestrutura dispostos no projeto, a começar pelo prazo estabelecido para elaboração do estudo ambiental. É evidente que o prazo de 60 dias, gerará estudos menos criteriosos e fundamentados. Além disso, levantamentos que exigem coleta de dados primários e participação social seriam inviabilizados neste curto período de tempo.
Toda esta falha no diagnóstico compromete a avaliação de impactos ambientais e, consequentemente, as medidas mitigadoras e compensatórias, ou seja, todo o conteúdo dos estudos ambientais e das análises de viabilidade dos empreendimentos. Este cenário só agrava um dos maiores problemas enfrentados hoje em processos de licenciamento ambiental: estudos de péssima qualidade, tendenciosos, omissos, que não refletem à realidade e demandam maior tempo de análise e revisões. De fato este ponto é considerado por técnicos e estudiosos como principal causa dos atrasos nos processos de licenciamento, pois se os estudos fossem bem elaborados, discutidos com a sociedade e realmente se comprometessem a avaliar a viabilidade dos empreendimentos, a análise técnica seria muito mais eficiente e célere, evitando ainda os inúmeros processos de judicialização, os quais retardam os processos de licenciamento que apresentam inconsistências. Deste modo, ao se iludir com prazos infactíveis, na realidade o PLS apenas desloca a ‘lentidão’ do processo para outras instâncias, ignorando a sua real motivação.
Igualmente inexequível é o prazo estabelecido no PLS para a manifestação dos órgãos intervenientes (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, Ministério da Saúde - MS, Fundação Cultural Palmares - FCP e Fundação Nacional do Índio - FUNAI), de apenas 10 (dez) dias. Sabemos ser impossível qualquer manifestação fundamentada neste prazo, se considerarmos a complexidade do tema. Como agravante, existe a previsão de aquiescência ao processo de licenciamento caso os órgãos notificados não se manifestem no prazo estabelecido. Diante da complexidade destes empreendimentos, do prazo extremamente enxuto para análise e das condições estruturais destes órgãos, com corpo técnico reduzido, é previsível o resultado: “consentimento” automático.
Também é problemática a natureza da manifestação destes órgãos intervenientes nos processos de licenciamento, pois é considerada não vinclunate, ou seja, não existe previsão de obrigatoriedade de o órgão licenciador acatar suas decisões. Entendemos que as consultas a estes órgãos deveriam ser vinculantes e em todas as etapas cabíveis do licenciamento ambiental.
O IPHAN se manifestou publicamente contrário ao PLS nº 654/2015, no documento “Posicionamento do Iphan em relação ao PLS 654/2015”, de 1.12.2015. Dentre muitas outras argumentações contrárias ao projeto, a Direção do Iphan alega que “não há no PLS nenhuma previsão de que órgãos licenciadores consultem especificamente o Iphan. Em outras palavras, não há qualquer garantia de que o Iphan irá se manifestar nos comitês que serão formados, estejam eles a cargo dos órgãos licenciadores da União, Estados ou Municípios, sobretudo porque será operacionalmente impossível fazê-lo, considerando o prazo máximo de 10 dias, assim como as dimensões e as heterogeneidades do país”. Outra questão que o Iphan pondera é quanto à previsão de aquiescência à licença emitida caso os órgãos intervenientes não consigam responder ao comitê no prazo estipulado de 10 dias: “o resultado prático desta medida será a exclusão da proteção dos bens culturais acautelados da grande maioria dos processos de licenciamento”. Além da exclusão da proteção dos bens culturais acautelados, como bem colocou o Iphan, a aprovação deste PLS compromete também as populações tradicionais, indígenas e quilombolas, as áreas de proteção ambiental e a saúde pública, uma vez que os outros órgãos intervenientes tampouco conseguirão se manifestar no exíguo tempo previsto.
Além de cercear a manifestação de outros órgãos do poder público, o PLS prevê a eliminação do único foro que permite a participação social direta em processos de licenciamento ambiental: a Audiência Pública. Em vez de apresentarem propostas que visem ampliar e melhorar a participação da sociedade, instituindo novos espaços de diálogo com a população impactada, órgãos técnicos, sociedade civil e comunidade científica, aqueles que deveriam ser os representantes do povo eliminam o único instrumento de participação direta hoje existente.
No Capítulo IV – Do Direito à Informação, o PLS prevê a criação de um Programa de Comunicação Ambiental, executado pelo empreendedor, onde “será garantida a prestação de informações ambientais à sociedade referentes ao processo de licenciamento ambiental especial”. Este programa objetiva “a exposição do projeto e seus impactos, a prestação de informações sobre os estudos ambientais, o esclarecimento de dúvidas e o recebimento de críticas e sugestões” e “deverá dispor de estrutura física na área de influência direta do empreendimento de infraestrutura para receber críticas, sugestões e demandas de esclarecimentos, as quais serão respondidas e consolidadas em relatório a ser encaminhado ao órgão licenciador”.
A proposta é que este programa seja conduzido apenas pelo empreendedor, que promoverá a interlocução entre a população afetada e o órgão licenciador nos processos de licenciamento. Que garantia teremos que a população afetada será ouvida plenamente? Que seus anseios reais estarão consolidados no relatório a ser encaminhado ao órgão licenciador? Que tipo de participação social este programa se propõe, sem debates e discussões? Além disso, não há garantia que estas demandas serão incorporadas aos processos e consideradas nas tomadas de decisões.
Ressaltamos que a Audiência Pública é um instrumento previsto nas Resoluções Conama nº 001/1986 e nº 009/1987, que “tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito” e “será dirigida pelo representante do Órgão licenciador que, após a exposição objetiva do projeto e do seu respectivo RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes.
O Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), nas justificativas apresentadas para rejeição da proposta na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, expôs: “tampouco está prevista a obrigatoriedade do órgão ambiental responder às manifestações encaminhadas pelas populações atingidas através do próprio empreendedor, responsável pela publicidade do processo de licenciamento e pela intermediação do diálogo entre população e órgão licenciador” (...) “pressupor que eliminar o único espaço previsto na legislação para canalizar a participação direta de atingidos e interessados é a maneira mais eficiente de eliminar os conflitos inerentes às grandes obras de infraestrutura é um equívoco além de configurar-se como grave retrocesso da democracia brasileira”.
Outra questão a ser abordada são os princípios que estão sendo violados no PLS nº 654/2015. O Ministério Público Federal, em seu Parecer Jurídico no 4 – 4a CCR, afirma que esta proposta de flexibilização do licenciamento ambiental constitui “grave violação aos Princípios do Não Retrocesso, da Precaução e da Publicidade”. No mesmo sentido, o Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) pondera que “do ponto de vista constitucional, parece-nos que a proposta fere diversos princípios assegurados pela Constituição Federal de 1988 e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil” (...) “O ordenamento jurídico nacional cuida de buscar o equilíbrio entre a imperiosa necessidade de desenvolvimento econômico e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, a noção de sustentabilidade deve ser elemento indissociável do objetivo do desenvolvimento econômico, como única forma viável de evitar a degradação ambiental, conforme estabelece a CF/88, em seu Título VII e Capítulo I sobre os Princípios Gerais da Atividade Econômica (art. 170, inc. VI)” (...) “Outros princípios a serem ainda considerados no presente caso são: o princípio da equidade de acesso aos recursos naturais; da informação e da participação; e da precaução e prevenção”.
O Projeto de Lei do Senado - PLS n° 602/2015 consiste na criação do Balcão Único de Licenciamento Ambiental e estabelece procedimento para o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos considerados estratégicos e prioritários para o Estado.
De acordo com projeto de lei, o Poder Executivo deverá definir e submeter à apreciação do Senado Federal quais são os empreendimentos estratégicos e prioritários para o Estado que farão uso do Balcão Único de Licenciamento Ambiental. Este seria um órgão colegiado, de caráter consultivo, vinculado ao órgão ambiental licenciador federal, que orientará e acompanhará o procedimento de licenciamento ambiental destes empreendimentos específicos. Sua formação conta com a participação de representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério da Saúde (MS), Fundação Cultural Palmares (FCP) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
De acordo com este PLS, “Os integrantes do Balcão Único de Licenciamento Ambiental representarão seus órgãos de origem, com a atribuição de apresentar posicionamentos e pareceres conclusivos, diretamente à Presidência do Órgão Licenciador, independentemente de ratificação pelo órgão de origem”. Ou seja, o Balcão Único de Licenciamento poderá tomar decisões por todos os órgãos intervenientes sem sequer consultar o corpo técnico ou a direção destes órgãos. Os representantes de cada órgão terão a palavra absoluta sobre o posicionamento de todos os órgãos sobre os licenciamentos de empreendimentos estratégicos e prioritários para o Estado. E como recompensa por “agilizar” o licenciamento eliminando o tempo de consulta aos órgãos intervenientes cada um desses representantes receberá uma “gratificação de desempenho de atividade técnico-executiva e de suporte do meio ambiente”.
Além da criação do Balcão Único de Licenciamento Ambiental o projeto de lei versa sobre prazos diferenciados para os empreendimentos definidos como estratégicos e prioritários para o Estado. De acordo com o PLS o prazo para a emissão de parecer conclusivo que subsidiará a Licença Prévia será de 180 dias, nos casos de empreendimentos que demandem Estudo Prévio de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), incluída nesse prazo a realização de audiências públicas, e de 60 dias nos casos considerados menos impactantes, a contar do recebimento do estudo ambiental. O prazo pode ser prorrogado por no máximo 60 dias, uma única vez, para os casos em que há EIA/RIMA, e por até 15 dias nos demais casos. Para emissão dos pareceres conclusivos que subsidiarão as Licença de Instalação e de Operação, os prazos serão de 75 dias cada.
A proposta apresentada como um aprimoramento do arcabouço legal se configura como um retrocesso nos avanços alcançados na prática do licenciamento ambiental brasileiro. Ao invés de fomentar análises densas e integradas entre os órgãos licenciadores e intervenientes, o PLS propõe, justamente para os empreendimentos mais complexos, que envolvem impactos em unidades de conservação, povos tradicionais, bens acautelados e riscos à saúde pública, simplificações do processo e prazos curtos para emissão de pareceres conclusivos, resultando em estudos de baixa qualidade e pareceres deficientes e superficiais, reforçando a indiscutível involução nos esforços de defesa do meio ambiente e direitos estabelecidos em leis e tratados internacionais ratificados, como a Convenção 169 da OIT.
Ao comparar o PLS nº 602/2016 com o PLS nº 654/2016 percebe-se certas contradições entre eles. Ambos reduzem os prazos atuais, porém o PLS nº 654 estabelece prazos ainda mais curtos do que o PLS nº 602, além do agravante de não prever audiências públicas. Contudo, se neste sentido, o PLS nº 654 apresenta mais retrocessos socioambientais, por outro lado, o PLS nº 602 com a proposta do Balcão Único de Licenciamento vai mais fundo na exclusão da participação do corpo técnico do órgão licenciador e dos órgãos intervenientes reduzindo a participação destes a representantes previamente definidos, sem necessidade de qualquer ratificação, e eliminaria, ainda, os trâmites (e os 20 dias previstos no PLS nº 654) para definir os representantes de cada órgão interveniente no comitê específico de cada licenciamento especial.
O Projeto de Lei – PL no 3.729/2004 tramita na Câmara dos Deputados desde 2004 e, ao longo deste período, outros 15 (quinze) projetos de lei que versam sobre o mesmo tema foram a ele apensados. Em 7.9.2015, a Seção Sindical do Sindsep-DF no IBAMA produziu um documento com suas considerações acerca do Parecer Preliminar ao PL 3729/2004, demonstrando grande preocupação com “a possibilidade criada em diversos dispositivos do PL para simplificação do processo de licenciamento, sem que haja nenhuma definição de conteúdo e métodos mínimos a serem utilizados em processos simplificados, resultando no sentimento de que a preocupação atendida nesses dispositivos do PL limita-se à ampliação da eficiência do processo de licenciamento ambiental, sem a contrapartida de assegurar um mínimo de qualidade – resultando assim em significativo risco de esvaziamento do instrumento licenciamento ambiental, nos casos em que houver simplificação”.
Após a divulgação deste documento, foi apensado recentemente ao PL nº 3.729/2004, o PL nº 4429/2016 do Deputado Federal Wilson Filho (PTB/PB). Este novo projeto apensado possui o mesmo conteúdo do PLS 654/2015 original, acrescentando também a previsão de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de exploração de recursos naturais. Lembramos que esta tipologia de empreendimento foi retirada do PLS 654/2015 pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, conforme abordado acima. Após esse apensamento, houve alteração do regime de tramitação e o PL 3.729/2004, que passou a tramitar em regime de urgência.
No Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) também se discute mudanças nas normas do licenciamento ambiental. A ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente) apresentou uma proposta de Resolução que dispõe sobre os critérios e diretrizes gerais do licenciamento ambiental e revoga as Resoluções nos 01/86 e 237/97. A proposta está sendo tratada em ritmo extremamente acelerado pelo referido Conselho. Prazo de apenas dois dias foi dado para que os representantes das entidades civis confirmassem sua participação na reunião do Comitê de Integração de Políticas Ambientais – CIPAM, que se realizou apenas 15 dias depois. Foi nesta ocasião, em 4.12.2015, que a proposta de revisão foi acolhida pelo CONAMA. Após duas reuniões do Grupo de Trabalho serem realizadas em período reconhecidamente desfavorável para mobilizações da sociedade civil, a consulta pública da Revisão foi aberta por apenas 10 dias (4 a 10.2.2016), dos quais, apenas 4 eram dias úteis devido aos feriados e pontos facultativos do carnaval. Esta escolha de data para consulta pública é um acinte e real obstáculo à efetiva contribuição da sociedade no processo. Não deixa outra interpretação sobre a real intenção da consulta que não a de meramente cumprir protocolos e formalidades mínimos, ao mesmo tempo em que reduz ao máximo o verdadeiro debate e participação da sociedade no processo de revisão. Tão evidente é este fato, que a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – ABRAMPA emitiu Nota na qual embasa legalmente a nulidade da consulta pública realizada pelo CONAMA, torna público seu posicionamento contrário à tramitação desse processo e informa que buscará administrativa e judicialmente as responsabilizações e medidas necessárias. Além da referida Nota, diversas entidades ambientalistas, órgãos públicos e organizações sociais manifestaram veemente descontentamento quanto ao processo de consulta pública aplicado pelo CONAMA bem como às principais modificações constantes na proposta de resolução. Cabe destacar ainda, que por diversas questões, muitas das quais serão levantadas também no presente documento, a bancada ambientalista que integra o CONAMA, como forma de protesto, se retirou do Grupo de Trabalho que discute a resolução sobre os Critérios Gerais para Licenciamento Ambiental, indo a público denunciar as distorções que vem ocorrendo. Para tal, foi divulgando o “Manifesto pela Ética, Qualidade Técnica e Participação Social no Licenciamento Ambiental Brasileiro”, assinado por 340 entidades.
Com relação ao conteúdo da proposta de revisão, vários retrocessos podem ser identificados em relação às resoluções em vigor. Pretende-se criar quatro diferentes modalidades de licenciamento, duas das quais são novas comparadas ao modelo atual. Na modalidade de “licenciamento ambiental por adesão e compromisso”, o empreendedor deve apenas declarar, preferencialmente por meio eletrônico, que vai aderir aos critérios e pré-condições estabelecidos pelo órgão ambiental licenciador. Já a modalidade de “licenciamento ambiental por registro” tem caráter meramente declaratório, a ser realizado também por meio eletrônico, no qual o empreendedor apenas insere os dados e informações solicitados pelo órgão licenciador, e tem como resultado uma licença por registro.
De tão simplificadas, estas modalidades podem até ser desconsideradas como um efetivo processo de licenciamento ambiental, resultando em um mero sistema cartorial de cadastro e organização de informações sobre as atividades e empreendimentos. Nesses casos não haverá avaliação de viabilidade do empreendimento junto às características socioambientais da área ou análise dos impactos cumulativos e sinérgicos. Qualquer “contrapartida” à simplificação, no sentido da criação de estratégias para garantir e fortalecer o controle, acompanhamento e fiscalização destes empreendimentos não é mencionada. Ainda assim, caso venha a ser constatada necessidade de mitigação e compensação de impactos não previstos inicialmente, devido ao rápido processo de instalação e operacionalização, muitas vezes estes já se constituirão “fato consumado”, dificultando a aplicação de medidas de adequação e controle.
O conceito por trás destas duas modalidades é o do “auto-licenciamento”, já defendido publicamente pela Presidente do IBAMA Marilene Ramos. Ou seja, o instrumento de licenciamento ambiental previsto na Lei 6.938/81, e que visa o controle, regulação e proteção do meio ambiente e da sociedade será, na prática, entregue justamente ao agente causador das atividades poluidoras. Temos assim o enfraquecimento de um dos instrumentos mais bem estabelecidos da Política Nacional do Meio Ambiente.
O que torna ainda mais perigosa essa proposta é que o enquadramento que define a modalidade e o tipo de estudo e procedimento a ser seguido será de competência de cada ente federativo, observando os critérios de porte, potencial poluidor/degradador e natureza do empreendimento. No entanto, não há previsão de critérios mínimos a serem estabelecidos por todos, uma insegurança jurídica e administrativa que pode gerar grandes diferenças entre um órgão estadual licenciador e outro. Sabemos que muitas vezes, por questões políticas e econômicas (e não visando a proteção do meio ambiente e da sociedade diretamente impactada), representantes governamentais já facilitam as condições de implantação de empreendimentos em seu território e, caso a nova resolução seja adotada, prevê-se uma tendência de magnificação deste fenômeno.
Outro retrocesso da proposta de Resolução é o enfraquecimento da participação social uma vez que o texto apenas tangencia a Audiência Pública. Não há qualquer referência à Resolução CONAMA nº 09/87, que trata das audiências públicas explicitamente previstas na Resolução CONAMA nº 01/86. Nem mesmo para os casos de EIA/RIMA, que é destinado aos empreendimentos mais impactantes, há menção à obrigatoriedade deste tipo de consulta. O texto apenas prevê que o órgão ambiental licenciador promoverá a realização de audiência pública, nas hipóteses previstas em regulamentação específica, para a qual não foi estabelecida nenhuma diretriz mínima.
A Resolução CONAMA nº 237/97 estabelece prazo máximo de validade de 10 anos para a Licença de Operação. No entanto, a proposta de resolução exclui prazo máximo de validade para as modalidades de licenças que permitem a operação dos empreendimentos. Assim, além de facilitar a obtenção de licenças, especialmente nas novas modalidades previstas, haverá maior permissividade para que os empreendimentos continuem operando, independentemente de qualquer acompanhamento, vistoria ou avaliação do cumprimento de condicionantes.
É notório que a maior pressão sofrida pelos órgãos licenciadores, e consequentemente onde estes direcionam a maior parte de seus recursos humanos e financeiros, é para a emissão das licenças. Consequentemente, a fase seguinte (pós-licença), onde deveria haver constante acompanhamento e fiscalização, tem menor prioridade. No entanto, sua importância não deve ser minimizada pois é quando a gestão ambiental prevista no processo de licenciamento deve ser efetivamente implementada. O aprendizado e experiência adquiridos no acompanhamento, bem como a análise dos dados gerados sobre os impactos previstos, permitem uma melhoria na avaliação dos impactos ambientais e no estabelecimento das medidas de controle para novos licenciamentos, gerando uma desejada retroalimentação do processo. A renovação de licença costuma acarretar numa compilação de todos os aspectos acompanhados após a emissão da licença, buscando-se uma avaliação das medidas de gestão ambiental aplicadas e sua eficácia, bem como uma melhoria contínua nas condições de operação. Assim, todos os meios e procedimentos que fortaleçam a etapa de pós-licença deveriam ser fortalecidos.
A proposta de resolução traz mais um ponto que enfraquece o poder de intervenção do órgão licenciador na etapa de pós-licença, ao trazer uma alteração no texto da Resolução nº 237/97. Esta estabelece que o órgão ambiental competente poderá modificar as condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer, dentre outros, violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais. Já a proposta de revisão se restringe aos casos de descumprimento de normas legais ou condicionantes imprescindíveis à adequada instalação e/ou operação da atividade ou empreendimento. Uma mudança singela no texto, mas certamente não em sua consequência.
A PEC nº 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatada pelo senador Blairo Maggi (PR-MT), atual Ministro da Agricultura do Governo Interino, acrescenta um novo parágrafo ao artigo da constituição que trata sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e do povo. Esse novo texto que foi aprovado no fim de abril na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal estabelece que: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”.
Este único parágrafo adicionado na constituição está dando margem à diversas interpretações e debates. De acordo com a justificativa constante no texto da PEC, sua aprovação “assegura que uma obra uma vez iniciada, após a concessão da licença ambiental e demais exigências legais, não poderá ser suspensa ou cancelada senão em face de fatos novos, supervenientes à situação que existia quando elaborados e publicados os estudos a que se refere a Carta Magna”. Nesta interpretação a PEC viria para atender os interesses das empresas envolvidas nas grandes obras garantindo que os investimentos iniciados não possam ser interrompidos após a concessão da licença ambiental e protegendo-as do risco de judicialização dos processos.
Por outro lado, da maneira como está escrito este novo parágrafo, temos a interpretação de que, a partir da simples apresentação de um Estudo Impacto Ambiental (EIA) o empreendedor já teria autorização para início de sua atividade, o que na prática acabaria com todo o processo de licenciamento ambiental em vigência no país. Além disso, a proposta significaria uma tentativa de silenciar os órgãos de controle ambiental e o poder judiciário, que não poderiam tomar nenhuma atitude que signifique suspensão ou cancelamento da autorização para realização da atividade. Dessa maneira, os órgãos competentes perderiam qualquer capacidade de promover um controle mínimo sobre o cumprimento de condicionantes ambientais estabelecidas.
Parece uma medida absurda por parte dos congressistas, mas, ao ser colocada ao lado das demais iniciativas comentadas nesta Nota, é possível compreender que essa PEC encerra o amplo movimento de desconstrução do licenciamento ambiental, dando contorno final aquilo que pode ser entendido como o maior ataque orquestrado contra este importante instrumento da política ambiental nacional. Na melhor das hipóteses esta PEC complementaria os demais projetos de lei blindando os empreendimentos da provável judicialização decorrente de licenciamentos ambientais açodados e sem participação pública. Na pior das hipóteses ela significaria o próprio fim da essência do licenciamento ambiental, como se toda obra obrigatoriamente fosse viável e autorizada a partir da simples apresentação do Estudo de Impacto Ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os ataques orquestrados ao processo de licenciamento vêm de diferentes lados, sem qualquer debate com a sociedade e com os atores envolvidos no licenciamento ambiental, e têm em comum a pressuposta agilização de prazos, a precarização das análises técnicas, a ausência de participação social efetiva e a fragilização dos mecanismos de fiscalização e controle, em nome de um desenvolvimentismo insustentável, antidemocrático e obsoleto. Trata-se de uma coleção de retrocessos orientados no sentido da desconstrução dos alicerces legais e técnicos do licenciamento, com prejuízos incalculáveis a uma ampla parcela da sociedade, especialmente aquela com menos recursos e condições de organização, por isso mesmo mais vulnerável.
Sabemos que o Licenciamento Ambiental Federal possui uma série de limitações e precisa melhorar suas ferramentas para abarcar a participação mais efetiva dos atores historicamente excluídos dos processos decisórios nesse país. Mas isso não se fará com uma flexibilização com o objetivo de dar maior velocidade ao processo de licenciamento ambiental, beneficiando apenas empreendedores e se aproveitando de um cenário de crise econômica. Porém vale lembrar que essa crise não foi criada pelos trabalhadores, pelos povos tradicionais, pelos setores mais vulneráveis da sociedade e, portanto, não são eles que devem pagar por ela. Defendemos um Licenciamento Ambiental criterioso e democrático, com garantia de implementação das medidas de controle e mitigação das condicionantes das licenças.
Nós, Servidores Públicos Federais de órgãos diretamente envolvidos no licenciamento ambiental, nos posicionamos enfaticamente contra as propostas em curso que enfraquecem tão importante instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente. Reivindicamos o imediato arquivamento de todos estes projetos que caminham no sentido da desconstrução do licenciamento e a instauração de um amplo debate popular para a busca de alternativas para melhorias responsáveis ao instrumento. Nos unimos a todas as manifestações já divulgadas por inúmeras entidades ambientalistas e movimentos sociais que seguem na mesma linha de defesa aqui colocada e pedimos aos demais cidadãos que nos apoiem nesta luta.
02 de junho de 2016